Entre Dados e Narrativas
O ponto de equilíbrio da Informação
A era digital transformou a forma como lidamos com a informação. Se antes ela era percebida como algo estável e confiável, hoje vivemos em um cenário em que dados e narrativas se entrelaçam o tempo todo, porém, aquilo que deveria esclarecer, muitas vezes confunde.
A abundância de dados, impulsionada por Big Data e Inteligência Artificial, não resolveu o problema da desinformação. Pelo contrário: em muitos casos, tornou a informação mais opaca, técnica e difícil de interpretar. Ao mesmo tempo, narrativas desconectadas da realidade passaram a ganhar força e influenciar decisões com base em percepções, não em fatos.
Um fórmula para entender a composição da informação
Nesse contexto, quero propor uma equação pode ajudar a organizar o pensamento:
Informação = Dados + Narrativa
Essa equação é uma forma simples, prática e teórica de traduzir como o conhecimento é produzido na era digital.
Em termos conceituais, “dados” são registros objetivos de fatos, como: medições, sinais, rastros digitais. Isoladamente, eles não possuem significado. São fragmentos de realidade, mas ainda não são informação.
A “narrativa”, por sua vez, é a forma como organizamos esses dados em uma estrutura coerente, com contexto, propósito e interpretação. É ela quem transforma dados brutos em algo compreensível, relevante e aplicável. A narrativa não é uma invenção ficcional, ela é o elo entre a técnica e o sentido.
Embasamento teórico para a fórmula
Essa abordagem se inspira diretamente em autores como Luciano Floridi, que define informação como "dados bem formados, com significado, em um contexto relevante". Na sua Filosofia da Informação, ele argumenta que a informação só existe de fato quando dados são processados cognitivamente em um ambiente semântico.
Na mesma linha, o campo do data storytelling (ou narrativa de dados) reforça a ideia de que a utilidade dos dados depende da forma como são apresentados e conectados à realidade. Informação não é apenas a existência de dados, mas sua articulação com sentido.
A equação, portanto, representa uma estrutura epistemológica (como o conhecimento é construído), uma ferramenta crítica (para avaliar o valor e o risco da informação), e uma estratégia prática (para comunicação, análise e decisão em ambientes de complexidade informacional).
Esse equilíbrio é ainda mais importante em um cenário onde a quantidade de dados cresce exponencialmente, a capacidade humana de interpretação continua limitada, e as ferramentas algorítmicas (como IA generativa) produzem narrativas automaticamente, muitas vezes sem supervisão crítica. Ao integrar dados e narrativa de forma equilibrada, garantimos que a informação não seja apenas tecnicamente correta, mas também compreensível, útil e confiável.
Representação visual criada por Ricardo Cappra
Quando esse equilíbrio se perde
A fórmula representa o equilíbrio entre a base empírica da realidade (os dados) e o sentido interpretativo que conecta esses dados ao mundo (a narrativa).
Sem narrativa, os dados permanecem frios, técnicos, difíceis de compreender.
Sem dados, a narrativa perde sua conexão com o real.
Quando esses dois elementos se equilibram, geramos informação de valor. Quando se desequilibram, caímos em armadilhas como desinformação, análises rasas ou discursos sedutores, mas infundados. Na prática, encontramos desequilíbrios em diferentes formas:
Excesso de dados, pouca interpretação Relatórios e dashboards carregados de números, mas sem explicação clara. Precisos, porém inúteis para a tomada de decisão.
Narrativas sem base factual Histórias bem contadas, emocionalmente envolventes, mas desconectadas da realidade. Geram decisões frágeis e ilusões de clareza.
IA como narradora opaca Ferramentas como o ChatGPT constroem boas narrativas com base em dados, mas nem sempre sabemos de onde vêm esses dados ou como foram usados. Isso exige atenção, senso crítico e responsabilidade.
Fake news e desinformação intencional No extremo, temos conteúdos fabricados propositalmente para manipular, explorando o desequilíbrio entre emoção e evidência.
Tomar decisões com base em dados mal interpretados ou narrativas enviesadas pode gerar consequências sérias: como perda de confiança, má reputação ou decisões estratégicas equivocadas. Por isso, mais do que consumir ou produzir informação, precisamos construí-la com responsabilidade: verificando dados, dando contexto, explicando escolhas analíticas e conectando tudo a um propósito claro.
Aplicando na prática
A equação Informação = Dados + Narrativa pode funcionar como uma bússola para profissionais que lidam com dados, comunicação, estratégia ou tecnologia.
Na prática:
Analistas precisam aprender a contar histórias com dados.
Comunicadores precisam se aproximar dos dados com mais responsabilidade.
Tomadores de decisão devem exigir clareza e propósito, não apenas números bem apresentados.
Lideranças precisam questionar quais dados e narrativas estão presentes nas informações que recebem.
Dicas para o uso diário dessa equação:
Ao analisar dados, pergunte: qual o contexto? qual o significado?
Ao comunicar ideias, questione: em que dados estou me baseando? isso é verificável?
Ao tomar decisões, busque informações que unam evidência e clareza.
Ao usar IA, mantenha uma postura crítica sobre o conteúdo e sua origem.
Informação de qualidade é aquela que une técnica e sentido. Equilibrar dados e narrativas é mais do que uma boa prática. É um diferencial competitivo e uma necessidade ética.
Quer estudar mais sobre o assunto:
Aqui vão algumas fontes para quem quiser se aprofundar no tema:
FLORIDI, Luciano. The Ethics of information
ROSLING, Hans. Factfulness
HESSEN, Johannes. Teoria do Conhecimento
JOHNSON, Clay. A Dieta da Informação
ARIELY, Dan. Desinformação
KAISER, Brittany. Manipulados
HARARI, Yuval. Nexus
PINKERS, Steven. O novo iluminismo